A discussão mais importante do mundo contemporâneo se dá em volta do espaço público. Como aproveitar melhor as cidades? Como repensá-las para o bem-estar da população? 

No entanto, vivemos um momento em que antigos dogmas do urbanismo se colidiram com a volatilidade e o dinamismo do mundo digital: aplicativos como Uber, AirBNB e iFood  surgiram e ressignificaram a forma que convivemos nos espaços, que lidamos com o cotidiano e como vemos as relações de trabalho. 

Estes aplicativos fazem parte da chamada economia colaborativa, um segmento da  produção econômica que se dá de forma peculiar, intrinsecamente ligada aos meios digitais e que causa uma ruptura com clássicas relações sociais, em termos de comércio, principalmente. 

O AirBNB é um exemplo da ressignificação do setor hoteleiro, por exemplo. Atualmente, o aplicativo é considerado mais valioso para o mercado financeiro que qualquer rede hoteleira do mundo. Grandes nomes do ramo, muitos centenários, foram desbancados pela startup que possui uma fração ínfima do patrimônio de qualquer uma destas redes, em comparação. 

Isto só é possível pelo fato de que o AirBNB funciona como uma plataforma de negócios, que liga oferta à demanda no ramo de habitação. Se um usuário precisa de um quarto, num fim de semana, para uma viagem, e outro tem um quarto disponível em sua casa neste período, por que não alugar? É evidente que este insight só é possível por meio de plataformas digitais, que ligam com praticidade os usuários. 

Estes negócios, no entanto, vêm impactando o mundo de formas diversas. O efeito AirBNB em cidades turísticas como San Francisco, nos EUA, foi drástico: a demanda por aluguéis do aplicativo provocou um severo aumento de preço dos aluguéis em zonas historicamente residenciais, o que causou aumento no número de desabrigados na cidade. 

Diversos negócios locais também sofreram em consequência da mudança de perfil de frequentadores dos bairros, que deixaram de ser moradores para se tornarem turistas. Isso provocou também um aumento no número de franquias nestas regiões, principalmente de lanchonetes e fast-foods, o que também causa empobrecimento na região. 

Estes sintomas sociais são percebidos em grandes cidades turísticas do mundo, como Paris, Nova York, Barcelona, e outros centros. 

Em termos de mobilidade urbana, o Uber é um grande catalisador de mudanças. Nas grandes metrópoles do mundo, o uso de carros pessoais já é inviável há um certo tempo. No Brasil, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte são exemplos claros disto. 

A Uber soluciona, de fato, uma necessidade de mobilidade cotidiana por um preço acessível à boa parte da população. Além disso, é uma forma prática de acesso à renda para uma parcela da população, em tempos de recessão econômica. 

No entanto, o aplicativo talvez não solucione o mais grave problema da mobilidade urbana contemporânea: a altíssima e complexa demanda de tráfego, de forma coletiva e que seja menos poluente. Estudos urbanísticos apontam que o uso de veículos individuais não é sustentável em longo prazo, devido à questões econômicas e de logística das cidades. 

É possível perceber, assim, que os chamados aplicativos de colaboração são um incrível resultado da conjuntura social contemporânea -- confluência de uma economia cada vez mais dinâmica e exigente, com o universo digital, que conecta de forma extremamente eficiente as ofertas e demandas do economia. No entanto, é sempre importante ter em vista quais são seus impactos no mundo real, e assim discuti-los.